14 de setembro de 2025

Nota oficial: é inconstitucional transformar cargos da Polícia Civil em um único cargo distinto

As implicações da Lei Orgânica das Polícias Civis, baixada no modo surpresa às instituições policiais civis dos Estados, ainda não motivaram o governo do RS a emitir entendimento ou qualquer iniciativa a respeito.

Em sua maior parte, a L.O. repete o que se tem neste Estado, com algumas alterações administrativas. Entretanto, para os Agentes Policiais Civis traz proposição de terem a denominação de seus cargos, que possuem atribuições legais específicas, reunidos em uma só denominação de “Oficial Investigador de Polícia”, o que, pela interpretação linguística, haveria logicamente de ter “atribuições investigativas criminais”.

Mas o fato é que a realidade é maior. Escrivães de Polícia do RS possuem atribuições legais principais de escriturar os procedimentos processuais essenciais ao Inquérito Policial, instrumento básico para o processo penal judiciário, enquanto o Inspetor atua principalmente na investigação criminal, realiza diligências, coleta provas, cumpre mandados e participa de operações, etc., enquanto o cargo final de carreira de ambos, o de Comissário de Polícia, possui atribuições legais de chefia intermediária entre o quadro de Agentes e as respectivas Chefias de Delegados de Polícia.

Como criar um novo e único cargo com nome impróprio e com atribuições diferentes dos cargos atuais (ampliadas) e para ele “transferir” todos os atuais cargos, que seriam extintos? Implicaria em provimento derivado, que é inconstitucional.

Assim que esta questão denominativa ora demanda trabalhosos e distoantes estudos entre os Agentes PC para, se fosse necessária e da vontade do Governador, dada sua competência federativa, sua adequação à legislação estadual, mas que, obrigatoriamente, deve antes de mais nada se ater às disposições constitucionais.

A grande questão resulta de que a aglutinação horizontal das atuais triplas ou quádruplas (4 cargos) atribuições em cargo único e demandante, pelo nome, de atribuição centrada em única atividade nominada, extingue a estrutura funcional histórica cartorária e investigativa e, maiormente, retira as especialidades do cargo de Comissário de Polícia como chefia intermediária, objetivo que se constitui em um forte estímulo às carreiras de Agente Policial Civil. E também os reflexos possíveis aos inativos devem ser sopesados.

O Artigo 38 da Lei Orgânica

Cumpre então examinar a redação dada ao Artigo 38 da referida lei, que diz:

“Na criação do cargo de oficial investigador de polícia, os cargos efetivos atualmente existentes na estrutura da polícia civil serão transformados, renomeados ou aproveitados nos termos da lei do respectivo ente federativo, respeitadas a similitude e a equivalência de atribuições nas suas atividades funcionais.”

É significativo que as referências à renomeação compulsória de todos os atuais cargos de ativos e inativos, que eram previstos nos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º do art. 38 do Projeto de Lei foram vetados pelo Executivo Federal e assim confirmados pelo Congresso.

A impossibilidade destas imposições está contida nas justificativas de inconstitucionalidade dadas nestes vetos do Executivo, as quais foram aprovadas na votação de reexame pelo Congresso.

Os Vetos do Executivo, que foram mantidos pelo Congresso (dispositivos nulificados por inconstitucionalidade reconhecida pelo Legislativo):

  1. Parágrafo primeiro do Art. 38 – Os atuais cargos podem ser renomeados com a nova nomenclatura mesmo quando não houver similitude de função (atribuições legais) e com as devidas aglutinações dos cargos conforme conveniência da administração pública – VETADO por inconstitucionalidade.

  2. § 2º do Art. 38 – Aplicado o parágrafo primeiro deste artigo, os atuais servidores podem optar por permanecer no seu cargo – VETADO por inconstitucionalidade.

  3. § 3º do Art. 38 – Se aplicada a renomeação, os aposentados devem ter seus cargos renomeados para “oficial investigador”, preservados seus direitos previdenciários e dos respectivos pensionistas – VETADO por inconstitucionalidade.

  4. § 4º do Art. 38 – Os cargos já extintos ou em extinção serão aproveitados ou renomeados para o cargo de “oficial investigador de polícia” por similitude de função ou aglutinações de funções, observados os princípios de “modernização legislativa” – VETADO por inconstitucionalidade.

  5. § 5º do Art. 38 – Atuais cargos técnico-científicos de natureza criminal serão renomeados ou aproveitados no cargo de “perito oficial criminal”, respeitada a similitude de atribuições, conforme conveniência – VETADO por inconstitucionalidade.

  6. § 6º do Art. 38 – “O disposto neste artigo (38) não se aplica ao cargo de delegado de polícia” (curioso era o dispositivo, porque nada do Art. 38 refere este cargo. Contudo, como o artigo trata de renomeação ou reaproveitamento, também aqui é referida a inconstitucionalidade do provimento derivado, sem concurso) – VETADO.

Conclui-se que a redação do “caput“ do Art. 38 é claramente inconstitucional quanto à transformação de cargo aos atuais servidores e inativos, especialmente por não haver a condição necessária, nele mesmo dada, de similitude e equivalência de atribuições.

A matéria está definida na Constituição Federal (Art. 37, II – concurso público) e pelo STF na Súmula Vinculante 43, com efeitos já conhecidos aqui mesmo no RS, com a inconstitucionalidade da transformação de cargos de investigadores em cargos de escrivães e inspetores, decretada pelo TJ/RS em 2016 e pelo STF no acórdão de 2021 do RE 740.008/RO, com repercussão geral, que fez com que os Investigadores de Polícia do RS retornassem aos cargos de origem com a Lei RS Nº 15.784/21. O provimento derivado, no caso, deu-se em vista de escolaridade e atribuições distintas.

Sendo a lei federal orgânica das polícias civis subordinada à Constituição Federal, uma transformação, renomeação ou aproveitamento, no caso dos atuais agentes, é legalmente inviável pela característica das atribuições distintas de cada cargo (investigador, inspetor, escrivão ou comissário) e sem concurso público, pois nenhum dos cargos atuais possuiria “equivalência ou similitude” com um novo cargo que contemple ou configure as atribuições legais de todos eles (triplas ou quádruplas), além de um caso de escolaridade diferente. Seria provimento derivado.

Portanto, configura-se inconstitucional a transformação dos atuais cargos de agentes policiais civis em cargo único distinto.

Porto Alegre, 08 de setembro de 2025.

A Direção da ACP/RS